terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Os meses-fantasma



Vieram e foram.
Longos meses em que os dias tinham menos que vinte e quatro horas mas também, as horas tinham muitos mais minutos do que os sessenta que são a norma.
Passaram… E não duraram o suficiente.
Foram meses de sonho: maravilhosos, doces e etéreos; pois nenhum sonho dura para sempre.
Quando cheguei ao seu inevitável fim, o acordar devastou-me. Era Verão quando isso aconteceu; passei os dias todos fechado em casa porque todos os meus medos e tristezas choviam lá fora sem parar.
No final dos meses quentes, regressei ao berço onde tinha cuidado e nutrido os meses-fantasma. Deitado na minha cama, fechei os olhos e fui dar um passeio na minha mente.



Segui por um caminho que serpenteava para a orla duma floresta. Os raios do pôr-do-sol – o único sol deste meu lugar – eram filtrados pelas ramagens das majestosas árvores, pintando todo o espaço de tons dourados e cores de mel.
Passei pela margem dum lago. Estava lá uma pedra tumular, em perfeita harmonia com a paisagem. Uma rapariga-fantasma esta sentada, encostando-se nela. Reparou em mim e dirigiu-me um olhar divertido acompanhado por um sorriso matreiro e foi nadar no lago.
Sentei-me onde ela há momentos se tinha sentado e deixei-me ficar a vê-la. Tinha deixado um bloco de desenho no chão. Lindos. Como sempre.
Segui caminho, embrenhando-me cada vez mais na densa floresta; os tons dourados estavam cada vez mais escuros.
O piar dum mocho despertou-me do transe em que caminhava. No sopé da árvore onde ele estava, comecei a escavar. A terra cedia facilmente, em tempo nenhum já tinha diante de mim um buraco capaz de me engolir… Se fosse assim tão fácil…



A cama estava feita, era então altura de alguém se deitar nela. Comecei a vasculhar dentro de mim.
Do âmago da minha existência, criei o conteúdo daquela morada derradeira.
Recibos vários saíram dos meus bolsos e cada um deles era acompanhado por ecos de risos e conversas animadas e sabores deliciosos. Da minha carteira, uma foto e canhotos de bilhetes de cinema. Um cachecol que nunca gostei de usar, materializou-se no meu pescoço. Despi uma camisola que não voltarei a usar com o mesmo brio. Dois livros que não vou acabar de ler. Que mais?
A sombra que ficou num canto do meu coração? Não. Essa é para mim. Não a vou enterrar.
Memórias.
As minhas memórias, algo que lá habitava não podia ficar, não, se alguma vez quisesse sair da sombra dos meses-fantasma.
Não estavam só na minha mente, estavam entranhadas nos meus sentidos: escondidas debaixo da minha pele, a fazerem-me comichão sempre que vejo pessoas de mãos dadas, nos meus ouvidos, ao ouvir certas vozes e melodias, na ponta da minha língua, quando vejo outros a trocarem beijos e no meu nariz, quando sinto um aroma familiar.
Recolho-as todas e agora as minhas mãos em concha estão cheias de pacotes de açúcar. Em cada pacotinho, estão escritas promessas, “promessas do nunca mais”.
Caem tal e qual folhas e espalham-se pela sua morada térrea.



A cova é coberta e com uma pedra que repousava por ali, fiz uma inscrição na casca da árvore.
“Até nunca… lamento muito já não seres a mesma pessoa. Já não existires.”
Pela primeira vez, a noite caiu, neste meu mundo, à volta daquela árvore. Uma noite escura, sem estrelas e luar. Os olhos brilhantes daquele mocho que viverá para sempre na escuridão, seguiram-me até sair para a luz.
Caminhei pela floresta de tons dourados, passando pela margem do lago onde a rapariga das minhas recordações ainda nadava, segui para fora da clareira e quando dei por mim, estava outra vez no meu quarto.
O telemóvel tocou. Li a mensagem e preparei-me para sair de casa; agarrei as chaves que estavam junto à minha colecção de recordações no topo da cómoda. Os pacotes de açúcar estavam lá, mas agora já não eram mais do que isso. 






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