No início:
Havia um rapaz e uma rapariga. Havia, um rapaz e uma rapariga que gostavam muito um do outro. Havia um rapaz e uma rapariga que estavam dispostos a dar tudo por tudo, prontos para correr de mãos dadas até ao fim do mundo e saltarem, se fosse o que fosse preciso para serem felizes.
Houve um dia que nunca devia ter havido.
Agora:
Há um rapaz e uma rapariga que, mesmo tendo vivido tudo o que havia para viver na companhia um do outro, jamais estarão juntos.
Havia um monstro.
Uma criatura pestilenta que se instalou no coração do rapaz. Um cancro que não podia ser removido.
Um mercador de feridas que não saram com facilidade; um mercador com uma língua de prata. Bastava fazer o coração do rapaz palpitar mais rápido, que a sua mente trataria do resto do sofrimento.
Havia um rapaz torturado.
Um rapaz que queria sair do carrossel, mas o monstro não parava do convidar para mais uma volta. Um rapaz preso no tempo, a viver os amanhãs no ontem.
Pobre rapaz…
Havia alguém que o podia ajudar.
Alguém com quem ninguém deve falar. Alguém que mora onde ninguém deve ir visitar.
Alguém perigoso de encontrar, alguém em que não deves confiar.
Alguém a que o desespero levou o rapaz a procurar.
Houve um acordo.
“Dá-me o teu coração e eu levarei também os teus problemas.”
“Feito.”
Sem emoção, o rapaz continuou a sua vida.
De que adiantava o cérebro lembrar-se da dor, se o coração não estava lá para a sentir?
Finalmente, estava feliz. Tinha-se livrado do seu lado emocional.
Já não teria de sentir aquela dor nada racional.
Não.
Houve um novo dia.
Em que o corpo do rapaz ainda doía.
Do que poderia ser? Já não tinha os seus problemas, nem um coração onde eles pudessem doer.
Estavam ambos bem longe dele. Abandonados num poço e fechados com cadeado e chave.
Ter abdicado do seu coração não lhe tinha levado os problemas.
Apenas os acentuara.
O rapaz tinha um coração partido, era verdade. Mas tinha-o. Sabia onde doía, sabia onde podia tratar, sabia do que precisava de curar.
Com um buraco no peito, o rapaz estava vazio. Um vazio cheio de dor.
À noite ao adormecer, conseguia ouvir um rugir na noite… Na direcção da colina, do velho poço. Um chamar que ressoava com o seu pesar.
Houve uma vez em que já não podia mais aguentar.
Saiu de casa a correr, chave em punho, em direcção à colina. O seu coração tinha de voltar, só assim os dois se podiam curar.
O que lá encontrou, assustou o rapaz.
No tempo que estiveram afastados, sem um peito, um amigo para o amparar, o coração do rapaz cresceu, cresceu sem limites.
Sem nenhuma lógica a comandar, o coração era uma quimera de emoções, emoções puras e cruas.
O rapaz quebrou num choro e o coração também.
Foram ambos envolvidos num turbilhão de emoções.
O rapaz não conseguiria sobreviver.
Desde o dia do acordo que ele o sabia: “Assim não é maneira de viver.”
Acabou assim a sua vida, consumido pelas emoções que tentou esquecer.
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