A minha guitarra não toca.
Não fui eu que a fui buscar à loja, não fui eu que passei várias horas numa loja a namorá-la, não fui eu que ia – continuamente – à loja, ver se a minha menina já tinha sido levada por outro, enquanto eu juntava dinheiro para a comprar.
Não, não fiz nada disso.
A minha guitarra apareceu, um dia, na minha casa. Tentámo-nos dar bem… Mas tivemos os nossos problemas.
Eu sem ter ninguém para me ensinar, tive e tenho de aprender por mim, a guitarra, por não gostar de mim, estava continuamente a desafinar. Que bela sinfonia de discórdia que fazemos.
Experimentei dar-lhe um nome e hoje esse nome pertence a um fantasma. Ninguém, pessoa ou objecto, gosta de ter um nome fantasma, porque os nomes têm um certo poder…
Bom, aqui estou eu, alguém que não sabe tocar e com uma guitarra que se recusa a cantar. Que fazer?
Para me livrar do fantasma, bastou um exorcismo.
Para me livrar do fantasma, bastou um exorcismo.
Tocar, por muito mal que fosse, até os dedos me doerem, por mais notas que saíssem erradas, tocar até acertar numa, se tanto. Passámos horas na companhia um do outro, discutindo imenso porque os meus dedos não lhe tocavam no corpo como ela desejava. Os meus protestos eram desesperos de frustração, os dela eram notas riscadas que não pertenciam a escala alguma.
Mas no meio de tanta discussão e conflito, conseguíamos encontrar um ponto comum, um instante de sinergia, que nos dava alento para continuarmos a discutir.
Assim continuaremos durante muito tempo, por cada momento de sintonia, cinco ou seis de discussão intensa.
Cada vez mais conseguimos estar em sintonia durante mais tempo.
A minha guitarra canta?
Não.
Porque ela não quer e eu não quero. Não quero tocar para ninguém - não há ninguém para quem eu queira tocar. Não é pelo reconhecimento, pela palmadinha nas costas, que o faço. É apenas e só por mim.
Quando estou com ela, é ela que me toca a mim. Ela soa como eu me sinto por dentro, ela transpõe as minhas frustrações no seu corpo e ela faz-me cantar.
As melodias ainda são tristes e simples, mas são nossas. Quanto mais tempo passarmos juntos, melhor poderá tocar-me, melhor poderá libertar os meus (os nossos) sentimentos e mais rápido nos libertaremos da assombração que paira sobre nós.
Foi deste modo que nasceu a nossa relação. Da dor, da ilusão, da discórdia e de sentimentos mal interpretados. É uma boa relação, porque sempre que estamos juntos, não precisamos (não conseguimos) esconder nada um do outro e porque nada nos pressiona a estar na companhia um do outro.
Em breve, o nome que pertence ao fantasma, passará a ser só dela. O fantasma desaparecerá para sempre. E nós teremos as nossas belas melodias, tocando a música que só nós ouvimos.
é só para dizer que o texto fica mais giro se em vez de guitarra se ler pila :D
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