Os teus beijos são venenosos.
Os teus lábios são lindos, permanentemente adornados de tons escuros que se destacam contra a tua tez pálida; esses lábios agressivos que me beijam, quando os pressionas contras os meus, sinto sempre um doce magoar - pequenos espinhos a picar a minha boca.
Oh, minha rosa negra… Quem poderia imaginar?
Quem seria capaz de prever, que aquela pequena semente, que eu trouxe para casa, serias tu um dia? Minha flor de espinhos…
Encontrei-te por acaso, à porta duma pequena florista. Picado pela curiosidade de ver como crescerias, comecei a cuidar de ti.
Garanti que nada te faltasse: arranjei-te um lugar de destaque, o lugar mais solarengo da minha casa. Dei-te companhia e trouxe-te carinho, todos os dias falava-te das minhas preocupações, dos meus sonhos, dos meus desejos, dos meus prazeres, da minha solidão; mas do que eu te mais falava, era do tipo de flor que eu queria que tu te tornasses.
Deve ter sido por isso…
As pessoas têm imensas expectativas – monstruosas até – não têm? E mesmo antes de te dar tempo para cresceres, para me mostrares no quão tu, tu te tornarias, impingi-te os meus sonhos, a minha visão distorcida… Da qual és um reflexo perfeito.
Passado muito tempo, apareceste tu: um caule verde, com uma flor que se recusava a abrir. Paciente e curioso, arranjei-te um vaso maior, um lugar mais próximo de mim, à cabeceira da minha cama, continuei as nossas conversas, confiei mais dos meus segredos, vimos filmes juntos, toquei para ti, até te levei a dar uma volta pelo parque… Era o teu único e fiel jardineiro, ansiando, todos os dias, pelo teu desabrochar.
Até que finalmente chegou!
Nunca, em altura alguma, fiquei tão deslumbrantemente assustado.
Quando fechei os olhos nessa noite, eras uma planta num vaso, quando os abri, na manhã seguinte, eras uma beleza exótica, desnuda, deitada a meu lado, a fitar-me com esses olhos negros. Negros como os teus cabelos longos e ondulados, negros como as noites de Inverno, negros como os teus doces lábios, negros como os meus desejos.
Assim começámos.
Passando os dias embrulhados na intimidade um do outro, sucumbindo ao prazer e à luxúria que até então negáramos.
Os meus dias passaram a correr de outra maneira: já não contava as “horas que faltavam para acabar a aula”, nem as “horas que demoro s chegar a casa” até nem contava as “horas que vou demorar-me com os meus amigos”. Todos esses conceitos, todas essas horas, todo esse tempo já não existia, existiam apenas as “horas até voltar para ti”.
Nenhumas outras tinham valor. Nenhumas outras importavam.
As minhas manhãs começavam com os teus beijos demorados e as minhas noites acabavam com a nossa libido. Durante o entretanto, era o desejo de voltar para ti que me comandava.
Não sei. Não sei quanto tempo levou até acreditar que não estava tudo bem. Desde o primeiro beijo? Talvez…
Os pequenos espinhos dos teus lábios magoam, as picadas e os arranhões dos teus abraços também. O teu aroma é intoxicante, a fragrância do teu suave é inebriante… Toda tu. Toda tu és venenosa.
O meu veneno.
Fui eu que te dei vida. Fiz com que nascesses da minha ânsia para ser amado, da minha ganância de prazer, das minhas visões distorcidas de companheirismo.
Tu tornaste-te nisso mesmo. Uma mulher com nada para me dizer, sem coração, sem amor. Um casulo, um lindo e deslumbrante casulo, a minha caixa de Pandora, a minha magnífica boneca, onde no teu interior, nos teus lindos olhos, brilha a minha profunda escuridão.
Estou envenenado.
Já não sou mais quem era. Não consigo relacionar-me com mais ninguém, a não ser tu, não consigo apreciar a companhia de outros; se os apertos de mão, os abraços e os beijos que me cumprimentam não dilacerarem a minha pele – como os teus o fazem – não os consigo sentir.
Quando penso que o meu coração pode começar a bater mais forte por outra pessoa, não são sentimentos de felicidade nem sonhos que são bombeados pelas minhas veias, é o teu doce veneno. O meu doce veneno.
Os meus dias acabam sempre da mesma maneira: comigo a procurar os teus beijos venenosos, a intoxicar-me contigo e a adormecer nos teus braços. Só assim me é permitido sonhar…
Sonhar cada vez por mais tempo, sonhar por uma vida em que não seja consumido, sonhar com uma vida em que não dependa mais dos teus beijos, em que tu não sejas o meu vício…
Um dia o sonho durará para sempre.
Um dia seremos duas flores, no meu quarto, deitados na minha cama, apenas duas flores que sonham.
Duas flores-do-mal, que cresceram porque foram cuidadas.
Sem comentários:
Enviar um comentário