Não existe.
Ou melhor, não da maneira que estamos programados para a ver.
A propaganda diz-nos que ela existe; quando entra nas nossas vidas tudo muda: a atmosfera fica mais leve, sentimo-nos leves, tudo abranda e nada mais à nossa volta – no nosso mundo – interessa. Tudo por causa dela, porque vimos a rapariga ideal numa festa, ao entrar na esplanada da universidade, no local onde ela trabalha, enfim… Seja onde for.
Vamos assumir que a propaganda está correcta. Tal como nos filmes, encontramo-la num lugar improvável, depois por artifícios de improbabilidades do destino conhecemo-la, começamos a ser bons amigos e finalmente acabamos algo mais.
Tudo como nas histórias que nos contam enquanto adormecemos.
Vamos assumir que um dia tudo acaba.
Que fazer agora?
Ficámos condenados a estar sozinhos para sempre? Como perdemos a “rapariga ideal” nunca seremos genuinamente felizes na companhia de outras raparigas?
A resposta é óbvia.
Não é o fim do mundo. A vida continua, continua sempre, por isso é que é tão valiosa.
E porquê? Porque é que depois de termos encontrado a “rapariga ideal” e de a perder, podemos continuar e voltar a amar?
Porque a “rapariga ideal” não é uma pessoa.
É um título.
Uma alcunha.
Um credo.
Um feitiço. Uma magia que faz com que o sítio onde a conhecemos, que na maior parte das vezes é um lugar onde vamos todos os dias, o local mais comum das nossas vidas, parece o último lugar à face do planeta onde seríamos vistos naquele dia. Uma magia que faz com que nos esqueçamos de tudo o resto e só nos concentremos nessa pessoa. Uma magia que nos enche de força e de coragem.
“É ela, eu sinto-o. Oh meu deus! Tenho de a conhecer, custe o que custar… Ela é a rapariga ideal.”
Dissemo-las.
Não há volta a dar.
Atribuímos-lhe o título, sentámo-la no mais belo trono no lugar mais especial do nosso ser e por isso temos força. Temos coragem para superar barreiras: superamos a timidez e arranjamos maneira de falar com ela, se a conversa correr bem ganhamos coragem para a convidar para sair, outra vez e mais outra até que, naquela saída que juramos nunca mais esquecer, o primeiro beijo acontece.
Agora a conjuração está em potência máxima.
Confundimos simples acasos e consequências com os desígnios duma vontade superior a nossa e vivemos momentos de sonho.
Até o sonho acabar.
Até o feitiço ser quebrado.
Com a realidade a desmoronar-se à nossa volta, conseguimos olhar com olhos bem abertos para os bastidores, para o que está por de trás do sonho.
A maneira como se conheceram não foi assim tão especial, o dia foi tão lixado como qualquer outro até então e meter conversa com um desconhecido? Por amor da santa, não é nenhuma tarefa que só possa ser incumbida a semi-deuses ou entes superiores.
Raciocinamos:
“Estava errado, ela não era a rapariga ideal. Era só uma rapariga, como tantas que por aí andam…”
Ficamos com rancor, apanhamos os cacos dos sonhos desfeitos, fazemos o que achamos melhor para recuperar da dor e tomamos a medida mais importante: reivindicamos o título usurpado.
Aqui está a resposta.
A “rapariga ideal” não existe. Não como pessoa, mas como uma entidade.
Uma vertente evolucionista darwiniana relacionada com os arquétipos e memórias colectivas de Jung.
Um pistão no nosso cérebro que dispara e faz rodar uma correia que está ligada a rotores para movimentar os membros e um gerador que faz uma ligação directa à nossa razão e ao pensamento lógico.
Um truque psicológico para superar os nossos medos.
Chamem-lhe o que quiserem.
Eu?
Eu já a encontrei duas vezes e agora o título está – mais uma vez – na minha posse. E estou-me a tentar livrar da propaganda viral.
Vejo fragmentos da “rapariga ideal” por todos os lados.
No sorriso daquela rapariga que se cruzou comigo no corredor.
No estilo daquela rapariga que vi enquanto passeava.
Na música que aquela outra estava a ouvir no outro dia.
No gelado que a rapariga que estava sentada numa mesa a meu lado no café pediu.
Nos devaneios duma rapariga que enche o seu blog com fragmentos de si.
Tal como eu.
Todas elas raparigas ideais. Em todas vejo alguns dos meus reflexos.
Não há só um título para sagrar.
A propaganda mente.
O jogo pode ser ganho.
É só preciso ver.
Saí à rua. Abre os olhos. Vê!
Adoro este está lindo, nunca ninguém pensa dessa forma, quando o conto de fadas acaba só pensam que o mundo vai acabar e que não há mais ninguém assim. Mal eles sabem que estão enganados.
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