sábado, 29 de janeiro de 2011

"Apple Pie"



“Bake the children in the pies (be yourself, be nice, be nice)
Sip the tea, watch your demise
Tip your hat, don't be ashamed (be yourself, be nice, be nice)
We're all afraid”


Sofia vagueava pela casa da sua falecida avó, à medida que os homens da equipa de demolição começavam a chegar.
Não sabia ao certo porque razão estava ali: nunca fora muito chegada a avó e ainda por cima estava com umas dores de estômago que se vinham a agravar por semanas a fio e ultimamente os dentes também tinham começado a doer. Devia estar a caminho dum médico e não sentada numa cozinha duma casa poeirenta.
Olhava perdida para o velho forno e recordava – a única recordação que tinha da sua avó. Estavam as duas naquele mesmo sítio e a avó tinha-lhe dado algo para ela provar; algo delicioso, uma iguaria como nunca antes provara e que até então nunca mais voltara a saborear.
“Um dia saberás como preparar um igual.”
Apercebeu-se de que essa recordação tinha sido a única razão que a levara ali; estando então recordada, podia ir embora.
Um barulho chamou-lhe a atenção. O forno escancarara a sua boca como se quisesse mostrar-lhe algo.
De lá tirou uma mala preta e um pequeno livro, como um diário com uma capa de couro.
Curiosa, Sofia pôs-se a ler.
A sua expressão tornou-se cada vez mais séria com o folhear das páginas, imergindo-se cada vez mais na leitura mas sempre com um ar de pura incredulidade à medida que certas passagens lhe ficavam na cabeça.
“Vinho tinto é o melhor.”
“Pessoas nervosas têm demasiados nervos. O senhor Almeida por exemplo…”
“Aquelas amigas da minha neta têm um ar mesmo delicioso.”
“Não devemos desperdiçar nada.”
“As pessoas ruins, para não nos fazerem mal, devem ser deixadas a repousar até já não nos lembrarmos delas, depois disso já não nos fazem mal.”
Um pequeno embrulho vermelho, escondido numa cavidade recortada do livro, roubou toda a sua atenção… Com as mãos a tremer, Sofia desembrulhou-o. Era exactamente o que ela esperava, aquela iguaria esquisita que a avó lhe tinha dado a provar, tantos anos atrás.
Com dedos trémulos, levou-a até à boca e desfê-la com uma dentada forte, enquanto a dentada durou, Sofia esqueceu-se de todos os seus problemas, das suas dores, das suas preocupações; podiam até estar a demolir a casa nesse preciso momento que nem daria conta.
Sofia saiu pela porta da frente em direcção ao seu carro, levava o pequeno diário numa mão e a mala preta na outra, sorriu deliciada ao passar pela equipa de demolição; estava com uma fome da qual não tinha memória e pela primeira vez, sabia exactamente o que é que a saciaria.

2 comentários:

  1. obrigada :D é bom saber que há quem leia aquele cantinho. também estou a gostar do teu blog e do que escreves, gosto de contar e de contadores de histórias

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  2. = )
    Obrigado pelo comentário.
    Vida longa aos contadores de histórias!

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