sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

"Encantados"



“Há muito, muito tempo atrás, houve um príncipe que salvou uma linda princesa das garras duma bruxa maléfica. Os dois ficaram logo eternamente apaixonados e viveram felizes para sempre num lindo palácio de cristal.”
Acredito que, algures nas correntes do tempo, esta história aconteceu mesmo. Disso não duvido. Mas a magia e as emoções que despertaram nos corações que por ela foram tocados, acabou por se tornar numa magia perigosa…
Incapazes de sonhar por si, dominados pelas suas imperfeições e submissas às suas fraquezas, começaram a criar os seus próprios príncipes valentes e as suas queridas princesas em perigo. A justificação? “Porque sim.”, Porque se nem os príncipes e as princesas conseguem viver felizes, que hipóteses terão eles? Humildes e simples pessoas.

Havia uma princesa que estava farta do mundo onde vivia: da gaiola a que chamavam palácio, das amas a que chamavam amigas, da sua vida miserável a que chamavam uma vida de sonho. As únicas alturas em que se sentia realmente livre eram quando sonhava…
Um dia não aguentou mais. Com a cara lavada em lágrimas e com um suplício agudo na voz, implorou a uma feiticeira que a deixasse dormir para sempre.
Comovida, a gentil feiticeira concedeu-lhe o desejo.
“O Mundo” não gostou e tratou logo de arranjar um príncipe e um cavalo branco para ele montar; encaminharam-no para o castelo e ordenaram que salvasse a princesa. A feiticeira bem que tentou proteger a sua afilhada, mas aquele príncipe – não mais que um fantoche animado pela loucura do mundo – foi mais forte do que ela.
Um príncipe feito de palha para os espinhos não o cortarem e sem um coração para sentir medo da magia da bruxa.
Contra a sua vontade, a princesa foi acordada e obrigada a viver para sempre no castelo que odiava com um fantoche sem vida a seu lado.
Nunca mais voltou a sonhar.



Mas não havia problema, “O Mundo” via-a feliz e isso é o que realmente importa.
Não importa o que as personagens da história sentem, o que importa é haver um final feliz com príncipes e princesas.

Havia um príncipe que não queria ser príncipe.
Não conseguia ter prazer em viver como um. Não se via a dirigir um reino, nem a ser a inspiração ou o líder destemido por quem o seu povo tanto clamava. Era apenas um pobre rapaz que queria sair dali e ir conhecer o mundo.
Mas estava amaldiçoado, nascera príncipe e príncipe teria de ser. São as regras d’ “O Mundo”.
Num dia de nevoeiro e pela calada da noite, foge do seu palácio para pedir ajuda a uma bondosa feiticeira. Simpatizou com a história que o rapaz lhe contara e ajudara-o da melhor maneira que pôde:
Deu-lhe a beber uma poção que o transformaria num sapo. Não era uma solução ideal, mas aos olhos do príncipe era como a providência divina. Agradeceu-lhe com lágrimas nos olhos e bebeu a poção num só trago.
“O Mundo” cedo soube do caso e tratou de criar mais uma princesa. Forçou-a a vaguear por charcos e por pântanos à procura do sapo que seria o seu amado. Mais tarde o príncipe sapo foi capturado, beijado e obrigado a voltar para o seu palácio onde viveria feliz para sempre com uma princesa ciciante de olhos vítreos.



Mais uma vez, “O Mundo” estava satisfeito. Tinha arranjado a princesa perfeita para o príncipe sapo e desfeito a maldição da bruxa malvada.
Novamente poderia sonhar; sonhar graças à felicidade utópica que criara para ser seu modelo.
Como já vos disse, a felicidade dos príncipes e das princesas não importa. Apenas têm de existir, nada mais.
Não importa quem preencha o papel desde que não fique vazio. Se o príncipe não for forte, damos-lhe um cavalo amaldiçoado e obrigamo-lo a viajar pelo mundo a combater adversidades.
Se a princesa não tiver uma tez como a neve nem olhos como safiras, oferecemos-lhe a maior solidão do mundo. Desgostada, ficará trancada na sua torre com medo de enfrentar o mundo enquanto as lágrimas que libertar, tornarão a cor dos seus olhos no azul mais profundo de sempre.
No fim ficamos com dois bonecos, perfeitos e imaculados. Um par ideal que guardaremos na montra mais bela, donde de toda a parte possam ser admirados.
Assim se fazem finais felizes, assim tudo acaba bem e assim sempre haverão príncipes e princesas para nos fazerem sonhar.






Imagens por: camarynmarina-bisabellasart

4 comentários:

  1. Eu gosto mais de imaginar assim:
    Havia uma rapariga que não tinha riqueza, nem beleza, nem herança. Havia uma rapariga que se achava especial pelo que sentia e sonhava, achava-se uma princesa.
    Da sua gaiola - que em tempos a enclasurara, construirá um castelo de areia, cheio de sonhos e histórias que imaginava, e pela intensidade com que o fazia era como se as vivesse. E o castelo ia-se destruindo pela inevitabilidade do tempo e dos seus desígnios, e ela voltava a construí-lo, como se da primeira vez se tratasse.
    Do mundo, das aias, das amigas, das conhecidas, enfim da mescla que a envolvia, ela compreendia que poucos seriam os que ficavam para sempre e que muitas vezes estaria mais dentro de si que envolvida pelos outros, mas não se importou - tinha o seu castelo.
    Claro que nem todos os dias eram brilhantes como safiras, nem todas as emoções eram suaves como seda, mas nem tudo era demasiado preto para que não pudesse saborear o que de mágico permanecia.

    Contudo, essa rapariga tinha medo, uma constante agonia, que não a deixava ser genuinamente feliz. Ela tinha medo, que quando encontrasse aquele rapaz, ele não fosse um príncipe, ou seja, não compreendesse que o seu castelo era feito de areia e que muitas vezes teriam que o reconstruir os dois, que não tivesse uma carruagem - para a abrigar quando os dias não fossem de sol, e que iam haver muitos assim! Que não soubesse que muitas vezes o mundo não a acompanhava, e que teria que ser o seu soldado, a sua aia e o seu rei. Acima de tudo, tinha medo que o seu príncipe não pudesse amá-la pelo que ela considerava de valioso - o que sonhava e sentia.
    Assim, um dia ela ouviu uma história, e deixou de ter medo, não por ser uma história de príncipes e princesas, mas porque viveram felizes para sempre.

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  2. Também gosto mais dessa maneira de pensar.

    É um exemplo da dualidade destas histórias: tanto podem ajudar a rapariga e o seu castelo de areia como enlouquecer aqueles que sentem que as suas vidas têm de seguir um certo guião.

    Eu, para mal ou para bem, ainda acredito em príncipes e princesas, mas sobretudo no "viveram felizes para sempre". Mas é um caminho duro de percorrer e muito cansativo; por isso, quis saber como seria a alternativa...

    Muito obrigado pela tua versão, caro Anónimo.
    Gosto mais das tuas palavras do que as minhas.

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  3. Ainda bem que também acreditas,e claro, não é definitivamente nada fácil!

    De qualquer modo, devias gostar mais da tua versão, porque eu mesmo que quisesse, não tenho uma imaginação tão apurada e não conseguia imaginar a parte do "havia uma rapaz...", sim...porque quando a imaginação e a realidade se cruzam é bem mais simples.

    Ps. Fico feliz que a manhã tenha ficado mais alegre! =)

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