sábado, 26 de fevereiro de 2011

Fénix de Açúcar




Ana era em tudo uma rapariga normal.
Determinada a viver a sua vida igual a si mesma, procurando a sua felicidade sem incomodar ou magoar aqueles que se cruzavam o seu caminho. Mas a vida nunca é fácil ainda por cima para aqueles que têm ideais tão claros como a neve.
Esta rapariga normal, sonhadora, foi abençoada com uma pele de açúcar.
Partilhara o segredo com a melhor amiga e dera-lhe um bocado a provar. A amiga, após recuperar do espanto, disse que nunca tinha provado nada tão doce.
“Vamos ser amigas para sempre!” comentara, enquanto lambia o lábio inferior.
Na noite desse acontecimento, Ana acordou a meio da noite, o seu corpo percorrido por uma dor que lhe era desconhecida. Quando finalmente passou, constatou que o pedaço que lhe tinha sido comido pela amiga tinha voltado… Tudo parecia estar bem.

Com o passar dos anos, o segredo de Ana espalhou-se por mais pessoas até que todos no seu grupo de amigos conheciam o seu segredo.
Incapaz de dizer que não, deixava que a provassem sempre que quisessem.
“Não faz mal, logo à noite volta tudo ao normal. Não me importo, se vos faz felizes.” Era o que dizia e o que se forçava a acreditar, nos dias em que chegava a casa e por de baixo das suas roupas só restava a forma espectral do seu corpo. Sem as suas roupas, na contra-luz, nada mais era do que uma cabeça flutuante, a única parte do seu corpo que recusava dar a provar.
Mal conseguia adormecer, a sua tortura começava. Pedacinho a pedacinho o seu corpo era reconstituído, pedacinho a pedacinho as partes que lhe foram tiradas eram restituídas. Cada pedacinho trazia dor, como se cada floco de açúcar estivesse ressentido por ter sido entregue com tão leve ânimo.
Todos os dias o mesmo suplício, mas Ana não se queixava. Um dia teria coragem para contar aos seus amigos o quanto eles, mesmo sem saberem, a magoavam. Aí eles compreenderiam e poderiam ajudá-la, inclusive. Até lá, teria de aguentar, sabia-se forte e acreditava que conseguiria.



Mas com o passar dos tempos, a situação piorou…
Este milagre tornara-se num “chá das cinco”. A Ana passou a ser a rapariga que estava sempre ali, a que todos podiam recorrer quando lhes apetecesse. A Ana estaria sempre lá para os satisfazer e isso bastava para a fazer feliz, não tinham de se preocupar com nada.
Não tardou até que Ana se apercebesse que todos eles pensavam da mesma maneira… Apenas a queriam provar e nenhum deles estava minimamente interessado a conhecê-la realmente, conhecer o verdadeiro sabor daquela pessoa por de baixo da pele de açúcar.
Vivia dias tristes, assombrada por sonhos agitados com formigas que a cercavam e a devoravam e depois esperavam pacientemente que renascesse para se poderem alimentar, novamente.
De certa maneira, esta tristeza libertou-a. A sua pele de açúcar tornou-se amarga, acre. Os ditos amigos já não queriam a sua companhia, afinal, que tinha ela para lhes oferecer?

Ana estava agora sozinha, deixada para trás como um brinquedo estragado.
Ou pelo menos era o que seria de esperar, não é?
Uma Fénix, mesmo sendo de açúcar, é sempre uma Fénix.



Talvez tenha decidido não contar o seu segredo a mais ninguém e partido à procura de pessoas que a quisessem realmente conhecer e não apenas aproveitar-se dela.
Talvez, num dia em que se estivesse a sentir particularmente sozinha, se tenha posto por debaixo duma chuva intensa para se dissolver e desaparecer para sempre, mas nesse momento um rapaz que a tinha visto apressara-se a dar-lhe o seu guarda-chuva para a proteger.
Talvez esteja agora na companhia daqueles que, após ter contado o seu segredo, contaram eles próprios algo, que só eles sabiam, de volta.

De certeza que anda por aí, no meio de nós, a tornar as nossas vidas mais doces mesmo sem nós o sabermos, com o seu dom especial.
A renascer todas as noites, mas desta vez sem qualquer tipo de dor.
Á procura da sua felicidade, daquela pessoa especial à qual poderá entregar o seu “coração de açúcar” sem ter de recear que seja devorado.






33 comentários:

  1. "she shines
    in a world full of ugliness
    she matters when everything is meaningless

    fragile
    she doesn't see her beauty
    she tries to get away
    sometimes
    it's just that nothing seems worth saving"

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  2. To me she does.
    But me being me, i bet she doesn't even know who i am and how much her glow means to me.
    The three lovely sisters: Love, Luck and Romance don't usualy pick me to be their dancing partner.

    "I'm down to just one thing.
    And I'm starting to scare myself.
    You make this all go away.
    You make this all go away.
    I just want something.
    I just want something I can never have"

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  3. Maybe she does. Maybe she just got scared that you don't even see her.

    "And it's happening
    Never planned on this
    You got something I need
    Kind of dangerous
    And I'm losing control
    I'm not used to this"

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  4. My eyes are always pretty weary... I can't even see where I'm going.
    There's no light to guide me back home and I can't hear no velvet wings.

    "On a stormy sea of moving emotion
    Tossed about I'm like a ship on the ocean
    I set a course for winds of fortune, but
    I hear the voices say..."

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  5. "Nobody said that it'd be easy,they just promised it would be worth it!"

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  6. "I'm leaning in the wind
    Head bowed down from what I saw
    My shadow for a friend
    Still some things are worth fighting for

    So I'm moving on
    Asking where you might have gone
    From what I knew before
    Some things are worth fighting for
    Yeah!"

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  7. "Always in my thoughts you are
    Always in my dreams you are
    I got your voice on tape, I got your spirit in a photograph
    Always out of reach you are"

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  8. That was a tough one.

    "And I...

    The loneliest child alive
    Always waiting, searching for my rhyme
    I'm still alone in the dead of night

    Silent I lie with smile on my face,
    Appearance deceives and the silence betrays

    As I wait for the time
    My dream comes alive
    Always out of sight
    But never out of mind"

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  9. "It's like I want you to know, but I don't want to tell you"

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  10. "Vê que a noite pode ser tão pouco como nós
    Neste quarto o tempo é medo e o medo faz-nos sós
    Que aqui está frio demais para me sentir... mas queres
    ficar?"

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  11. "Bring me home or leave me be
    My love in the dark heart of the night
    I have lost the path before me
    The one behind will lead me"

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  12. I want to take you home but i just don't know what to do.

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  13. That's not so easy as it seems =(

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  14. You'll find a way, i'm sure.
    You have the upper hand, I don't even know who you are dear anonymous friend = )

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  15. That's the main problem, isn't it?! And, I don't want you to think that i'm crazy or something like that.

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  16. No worries there.
    Normal people are boring. Life is too short to not take chances.
    Nothing risked, nothing gainned.

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  17. "When you have everthing, you have everthing to lose"

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  18. Mas de que vale ter tudo se apenas o guardamos para nós e o escondemos de todo o mundo?
    Nunca perdemos nada, podemos sentir que nos faltam peças ou partes, mas se algo ou alguém conseguiu fazer com que ficássemos sem elas, é porque nunca foram nossas para começar.
    Por mais cinzentos e tristes que sejam os dias, ninguém nos pode tirar o sol, a lua, as estrelas e até mesmo as nuvens de chuva.
    Ninguém nos tira o amanhã e, se acreditarmos mesmo neles, nunca perdemos os nossos sonhos.

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  19. Sem dúvida. Contudo para sonhar somos todos livres, não existem grades, nem limites...secalhar até nem existem dias cinzentos!
    Quando vivemos, ai tudo fica mais complicado...e é difícil não esconder, é complicado acreditar,porque tudo à volta é um conjunto imenso de hipóteses e possibilidades.

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  20. Todos temos o poder de trazer os sonhos para o mundo real, tudo depende apenas de nós e do quanto acreditamos em nós próprios.
    Temos de ser nós a apostar nas hipóteses e nas possibilidades e a torná-las em certezas.
    Pode ser que toda se resolva para melhor. E se não for para melhor? Bem, para pior nunca é por isso não há razão para nos desanimarmos com o resultado, apenas significa que teremos de voltar a tentar.

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  21. Eu não estou a dizer o contrário, lutar por um sonho, independentemente do resultado ser ou não favorável, é sempre uma conquista.

    Contudo,na realidade isso não é tão linear assim,existe um conjunto de constrangimentos que tornam tudo, no mínimo mais difícil. Alias, estando a lidar com outras pessoas nunca sabes efectivamente o que esperar, podes prever, mas é sempre uma incógnita.

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  22. Sim, dificuldades existirão sempre.
    Se algo é demasiado fácil não lhe conseguimos dar o devido valor.
    Sinceramente, cada vez espero menos das pessoas com quem lido... E começo a acreditar que só posso contar comigo e com mais ninguém.
    Espero estar enganado.

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  23. As coisas que custam mais, são as que sabem melhor, felizmente =)

    As expectativas que depositas nos outros é que muitas vezes tão erradas, e isso é o maior problema. Mas...não acredito que possas contar só contigo =)

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  24. Felizmente são = )

    Tens razão.
    Vou ficar à espera que me provem o contrário, quando acontecer logo digo se é verdade ou não ;)

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  25. Vais ver que sim, normalmente as maiores provas até estão nas pequenas coisas! =)

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  26. Espero que sim.

    Tenho de ir enfrentar o meu dia-a-dia.
    Até à próxima vez Lotus flower, whoever you are = )

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  27. Permites-me que partilhe um texto? Com esta pergunta digo-te também que em certo ponto estamos de acordo. Beijo.

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  28. Permito.
    Esta é uma boa noite para contos.
    = )

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  29. Ele tira delicadamente o seu manto. Ela rasga com desprezo o seu. Quem diz dois, diz três, diz quatro, diz uma imensidão de vultos que se despem num espaço molhado. Eles devem-se conhecer. Pelo menos o cheiro dos corpos conhecem. Agora se de dia se falam, nem eles sabem, neste momento.

    Ele agarra-a e sente o desejo a suar-lhe pelos poros. Ela, fulgante, vai com os joelhos ao chão e sente a terra húmida nas mãos e nas unhas. Acho que ele chega a puxar-lhe os cabelos e o resto não percebi, pareciam dois animais. Dor. Outros, berravam lá ao fundo exigindo a mesma pessoa na mesma noite. Que inconveniência, ironizo eu, ao vê-la desfalecida nos braços de ambos. Três corpos deambulavam com as silhuetas nuas bem definidas e arrepiadas pelo frio. Eram dois homens e uma mulher. Não, acho que eram abutres que procuravam os restos de carne que poderiam comer. Na sombra, reparei num casal que se amava, sim, que se amava. Achei interessante o facto de ainda haver espaço para eles aqui. A certa altura, ouvi os gemidos. Massificado, o som propagava-se e eu via as várias expressões, de dor ou de prazer, que eles exprimiam. Pobres almas.

    No dia seguinte, esses vultos vestem mantos sérios e negros e lêem sérios e angélicos os livros caros das bibliotecas. Falam outra vez das belas coisas que sabem e que os outros por ignorância e estupidez não conhecem. Esmagam os mais puros nas suas garras e… à noite, amam-se, dizem eles, amam-se por necessidade enquanto de dia são cordiais por interesse.

    .

    Para além da carne, que é apenas uma descrição que não está feita, está uma realidade que eu lamento. Obrigada pelo espaço.

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